Encerrando um ciclo
Paulo Coelho (O Globo - 22/08/04)
"Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final. Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver.
Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos - não importa o nome que damos, o que importa é deixar no passado os momentos da vida que já se acabaram.
Foi despedido do trabalho? Terminou uma relação? Deixou a casa dos pais? Partiu para viver em outro país? A amizade tão longamente cultivada desapareceu sem explicações?
Você pode passar muito tempo se perguntando por que isso aconteceu. Pode dizer para si mesmo que não dará mais um passo enquanto não entender as razões que levaram certas coisas, que eram tão importantes e sólidas em sua vida, serem subitamente transformadas em pó. Mas tal atitude será um desgaste imenso para todos: seus pais, seu marido ou sua esposa, seus amigos, seus filhos, sua irmã, todos estarão encerrando capítulos, virando a folha, seguindo adiante, e todos sofrerão ao ver que você está parado.
Ninguém pode estar ao mesmo tempo no presente e no passado, nem mesmo quando tentamos entender as coisas que acontecem conosco. O que passou não voltará: não podemos ser eternamente meninos, adolescentes tardios, filhos que se sentem culpados ou rancorosos com os pais, amantes que revivem noite e dia uma ligação com quem já foi embora e não tem a menor intenção de voltar.
As coisas passam, e o melhor que fazemos é deixar que elas realmente possam ir embora. Por isso é tão importante (por mais doloroso que seja!) destruir recordações, mudar de casa, dar muitas coisas para orfanatos, vender ou doar os livros que tem.
Tudo neste mundo visível é uma manifestação do mundo invisível, do que está acontecendo em nosso coração - e o desfazer-se de certas lembranças significa também abrir espaço para que outras tomem o seu lugar. Deixar ir embora.
Soltar. Desprender-se.
Ninguém está jogando nesta vida com cartas marcadas, portanto às vezes ganhamos, e às vezes perdemos.
Não espere que devolvam algo, não espere que reconheçam seu esforço, que descubram seu gênio, que entendam seu amor. Pare de ligar sua televisão emocional e assistir sempre ao mesmo programa, que mostra como você sofreu com determinada perda: isso o estará apenas envenenando, e nada mais.
Não há nada mais perigoso que rompimentos amorosos que não são aceitos, promessas de emprego que não têm data marcada para começar, decisões que sempre são adiadas em nome do "momento ideal".
Antes de começar um capítulo novo, é preciso terminar o antigo: diga a si mesmo que o que passou, jamais voltará.
Lembre-se de que houve uma época em que podia viver sem aquilo, sem aquela pessoa - nada é insubstituível, um hábito não é uma necessidade.
Pode parecer óbvio, pode mesmo ser difícil, mas é muito importante.
Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade, ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida.
Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira.
Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é."
Peppermint Patty
3 Comments:
At 11:57 da manhã, Bekx (JGG) said…
Compreendo a tua ideia que é preciso seguir em frente. Só não concordo com este apagar forçado do passado. O que somos é o resultado desse passado e apagando-o estaríamos a rejeitar-nos a nós próprios. Temos é que saber aceitá-lo e conviver com ele. O problema de muitas pessoas são as constantes fugas para a frente. Fugas que as acabam por levar, inevitavelmente, ao ponto de partida...
At 12:13 da tarde, Anónimo said…
Concordo contigo! O passado faz parte de nós e da nossa vida, no entanto,as fugas para frente são sempre inevitáveis (para a frente é que é caminho) e resultam muitas vezes não de passados, mas de presentes estagnados.
At 1:19 da tarde, Anónimo said…
Não é questão de apagar o passado, mas de fazer com que ele deixe de ser tão importante que não nos deixe viver o presente e ter futuro.
Vou dar um exemplo:
Lembram-se do vosso primeiro namorado? Esse mesmo! O do primeiro beijo! Agora lembram-se de quando acabaram? Choraram, acharam que o mundo ia acabar, etc, etc. Mas hoje, neste momento, já não sentem isso.
Porquê? Porque já não é importante. Porque esse ciclo já está encerrado. Não está esquecido e ainda ai está dentro tudo, o que se aprendeu com essa experiencia, mas simplesmente já não vivemos em função dela. Esse ciclo fechou-se.
É isto que o PC quer dizer: Que temos de fechar ciclos da nossa vida que já não são importantes. e que ao faze-lo estamos a permitir que outros se abram.
Se ainda hoje chorassemos esse primeiro namorado, teriamos tido outros?
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